Publicamos um trecho de nosso artigo em homenagem ao mestre Sebastião Chicute, falecido neste dia 01 de fevereiro de 2015
1 O Mestre Sebastião Chicute:
Sebastião
Alves Lourenço é filho do agricultor Francisco Lourenço Sobrinho (Chicute) e Maria Alves dos Santos. Nasceu em
Aratuba-Ce em de abril de 193__.
Aprendeu a ler com ajuda de amigos e sem
frequentar a escola. Além de agricultor, foi
comerciante, vereador em Capistrano na década de 1980. Na sua bagagem
cultural, acumula as experiencias de coquista, mestre de reisado e cordelista.
1.2 A Alfabetização na Carta de ABC
O Mestre
Sebastião Chicute descreve o seu grande desafio de aprender a lersem frequentar
a escola, a experiência é tão forte que reproduzimos um trecho de seu
depoimento sobre o assunto. Diz ele: “
Naquele tempo filho de trabalhador não ia pra escola. tinha que ajudar o pai na
lida do roçado. Eu morava na serra, no município de Aratuba. Ajudei meu pai
desde criança, trabalhando com no roçado. (...) Então ninguém se importava com
escola, só os filhos dos patrões, mesmo assim uns queriam outros não queriam.
Quando eu vinha do roçado com meu pai, passava na casa do nosso patrão e eu via
os filhos dele estudando, lendo. Eu tinha vontade de aprender a ler. Aí um dia,
tinha um passando as férias lá e me
perguntou: Bastião tu quer aprender a
ler? Eu disse , quero. Ele disse: Pois compre uma carta de ABC que eu te
ensino. Aí eu comprei a carta de ABC e ele começou a me ensinar . Mas aí ele
voltou de férias e eu fiquei lendo na cartilha, soletrando as palavras(...).
Nas outras férias ele veio de novo e perguntou: como é que está Bastião? E eu
disse, tou indo, to aprendendo. (…) Nesse tempo as pessoas gostavam de ler
romance, era assim que se chamava os versos de cordel.(...) Então quando
aparecia um romance, uma pessoa que sabia ler lia pros outros. Aí o pessoal começou a me pedir pra ler.(…) Foi
indo foi indo e foi nesse negócio de ler verso que eu aprendi a ler o pouco que
sei, ...
O escritor Gilmar de
Carvalho, em Mestres da Cultura Tradicional Popular do Ceará, ao abordar sobre
o mestre Sebastião Chicute, também relata como se deu o processo do mestre em estudo, da seguinte
forma:” Sebastiao nunca aceitou um
destino previamente traçado por um Deus pouco generoso. “Comprou uma carta de
ABC” e o filho do patrão, chamado Edílson começou a lhe dar as lições nos fins
de semana, nas férias.”(Carvalho 2006: 198,199).
Percebe-se que a
leitura de livretos de cordel contribuiu para o mestre aprender a ler, mesmo
sem frequentar a escola. O exemplo de alfabetização do Mestre Sebastião
Chicute, pode ser levado a muitos jovens e adultos que não tiveram oportunidade
de alfabetizar-se na infância ou na
juventude.
1.3 O Cordel na
Vida de Sebastião Chicute.
Há no
mestre a dimensão poética que se manifesta tento nos glosas emitidas na folia
de reis, quando dança ao lado do boi, quanto na literatura de cordel. Em
entrevista a Gilmar de Carvalho,
declarou: “Lá vou eu escrever um verso, passo uma noite, passo duas noites,
depende do tempo e do dom”. Portanto o Mestre Sebastião Chicute é um poeta
popular. Ele mesmo tem afirmado em diversas ocasiões, em diversas
circunstâncias, falando de si mesmo: “ um poeta faz assim” ou ao fazer ou recitar uma glosa, repetir: “é o
poeta, é a poesia”, referindo-se á forma de ver as coisas com o olhar de poeta.
E o que vem a ser esta figura romântica chamado poeta. Buscou-se
o conceito de um grande poeta popular cearense, Alberto Porfírio. Para
ele ” poeta é aquele que tudo ama e justifica
das coisas a razão de ser considerando tudo natural, divino e necessário. E
complementa: ” É ainda o poeta que,
desprovido de ambição, despreza a fortuna, e ama o simples, fazendo questão de
ser um deles, merecendo, por isso, um protetor, um mecenas que lhe compreenda o
valor e o ampare na vida.”(Porfírio, 1978, p31)
Além de cordelista
Mestre Sebastião é também mestre de reisado, as duas atividades culturais
desenvolvidas, lhe proporcionaram, em 2006, o título de Mestre da Cultura
Tradicional Popular do Estado do Ceará.
1.4 Sebastião
Chicute: Mestre da Cultura Tradicional Popular do Estado do Ceará
A lei estadual nº13.351
de 22 de agosto de 2003, instituiu o registro dos mestres da
cultura tradicional popular no âmbito de estado do
Ceará. A data de sua publicação, foi
cuidadosamente pensada, no dia do folclore. Por outro lado deve-se ressaltar
que a referida lei é uma das
decorrências do decreto federal 3.551 de 04 de agosto de 2000, promulgado pelo
Presidente Fernando Henrique Cardoso sendo ministro da Cultura, Francisco
Welffort. Este decreto oficializou a inclusão do Patrimônio Imaterial na
relação do Patrimônio Cultural Brasileiro. O resultado imediato do decreto foi
o desencadeamento de uma série de ações
de valorização do Patrimônio Imaterial no Brasil, sobretudo no primeiro Governo
do Presidente Lula, quando esteve à frente da pasta da Cultura, o cantor
Gilberto Gil. (Abreu, 2007, p353) O referido decreto também interagia com a
educação patrimonial na medida em que muito de suas metas estavam em sintonia
com outra legislação no âmbito do Ministério da Educação que eram os PCS –
Parâmetro Curriculares Nacionais, que inclui no currículo escolar, no capítulo
dos temas transversais, a pluralidade cultural e a valorização do conhecimento
do patrimônio étnico brasileiro, na forma da constituição de 1988 (Abreu, 2007,
p363)
Por outro lado, o Estado do Ceará, ao aprovar esta lei,
concretizava, em parte uma política de valorização e reconhecimento do
patrimônio imaterial intangível reiterado pela 32ª Conferência Geral da UNESCO
em 2003. Segundo Nogueira, 2008, “essa reorientação nos critérios de
preservação da UNESCO, levou a França a instituir o sistema “tesouros humanos
vivos, exemplo que o Ceará vem seguindo parcialmente”
Para o governador do
Estado à época, Lúcio Alcântara, os
mestres da cultura são homens e mulheres
que perpetuam artes ancestrais, renovam a memória coletiva com criações
contemporâneas e usam variadas linguagens para compor o mosaico da identidade
cultural. (Carvalho, 2006: 9). Oswald Barroso em Encontro dos Mestres do Mundo,
uma publicação da SECULT, classifica
Mestre como sendo “um portador
ativo de uma tradição”. Aquele que “guarda em seu corpo a memória de um saber
coletivo”. Estes saberes de que é portador são “renovados constantemente por
outros Mestres e por ele mesmo como ele.” Por tudo isso, o Mestre se inclui
dentro do conceito daquilo que ficou estabelecido pela UNESCO como Patrimônio
Imaterial. Oswald Barroso em seu ensaio, afirma: “Por isso não apenas seu saber deve ser tratado como patrimônio
imaterial de uma cultura, mas também o próprio mestre, a integridade de sua
pessoa, deve ser vista como tesouro cultural, patrimônio vivo de seu povo”,
conclui Barroso. (SECULT, Encontro dos Mestres, 2008: 51).
2. A Poesia
de Cordel do Mestre Sebastião Chicute
A
Literatura de Cordel, enquanto manifestação de caráter popular e imaterial,
constitui-se como patrimônio imaterial. O cordelista quando publica seus
trabalhos está contribuindo com a difusão de uma literatura de cunho oral,
embora escrita, resultado de um manancial que se estende há décadas e séculos,
no nordeste brasileiro, como mostram os autores antes e agora citados, como é o
caso de Ariano Suassuna, que afirma: “...a meu ver, a grande importância da
literatura popular, para o Brasil, está no fato de que ela constitui uma
espécie de “tradição viva”( ...) Tal importância está, aliás, a meu ver, em
toda a nossa riquíssima Literatura popular,(...) (Suassuna 2007 p. 251,252.)
De outra parte,
analisando o mérito da obra do mestre Sebastião Chicute, percebe-se que ele vai
além, trazendo temas que contemplam a educação informal e até mesmo a educação
escolar, como os relacionados à história regional, à religiosidade, à
preservação da natureza, os chamados “causos”, à política, dentre outros.
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