Prof.
Dr. Francisco Artur Pinheiro Alves
Resumo
O
artigo trata da vida e da obra literária do Mestre da Cultura
Sebastião Alves Lourenço numa perspectiva de patrimônio imaterial.
O mesmo está divido em dois capítulos, o primeiro sobre o mestre
da cultura e o segundo, sobre sua obra literária. Espera-se com este
trabalho, contribuir com a discussão em torno da educação
patrimonial, no campo da imaterialidade, como também com a difusão
da Literatura de Cordel, esta arte tão importante no contexto da
cultura popular do Nordeste do Brasil.
Abstract
The
article deals with the life and literary work of the Master of
Culture Sebastião Alves Lourenço perspective intangible heritage.
The same is divided into two chapters, the first on the master and
the second crop on his literary work. It is hoped that this work,
contribute to the discussion of heritage education in the field of
immateriality, as well as the dissemination of Cordel Literature,
this art so important in the context of the culture of the Northeast
of Brazil.
Palavras
chaves: Cultura
popular, literatura de cordel, mestre da cultura, patrimônio
imaterial, educação patrimonial.
Introdução
O
presente artigo visa analisar a obra literária do mestre da Cultura
Sebastião Alves Lourenço, Sebastião Chicute, a partir de um grupo
de folhetos de cordel de sua autoria, procurando enfocá-la como uma
contribuição para uma educação patrimonial imaterial, no contexto
de sua área de atuação.
Para
tanto fizemos um recorte da pesquisa que resultou na tese de
doutorado em educação, pela Universidade Autônoma de Assunção,
na qual foi analisada a vida e a obra do mestre Sebastião Chicute,
desde a sua história de vida passando pela Literatura de Cordel e
sua atuação como mestre de reisado.
A
pesquisa, de caráter qualitativo, teve como suporte metodológico a
História Oral, no que concerne à análise da vida do mestres,
amparada por uma análise bibliográfica sobre as temáticas
referentes às suas habilidades: A Literatura de Cordel e o reisado.
No
presente artigo, trabalhamos um pouco a vida de mestres da cultura,
para que se possa conhecê-lo minimamente, mas o foco central do
mesmo é a sua obra de cordel. Para tanto trabalhamos com os mesmos
cordéis analisados no capítulo V da tese, adaptando o texto para
uma forma de artigo.
1
O Mestre Sebastião Chicute:
Sebastião
Alves Lourenço é filho do agricultor Francisco Lourenço Sobrinho
(Chicute) e Maria Alves dos Santos. Nasceu em Aratuba-Ce em de
abril de 193__. Aprendeu a ler com ajuda de amigos e sem frequentar
a escola. Além de agricultor, foi comerciante, vereador em
Capistrano na década de 1980. Na sua bagagem cultural, acumula as
experiencias de coquista, mestre de reisado e cordelista.
1.2
A Alfabetização na Carta de ABC
O
Mestre Sebastião Chicute descreve o seu grande desafio de aprender a
lersem frequentar a escola, a experiência é tão forte que
reproduzimos um trecho de seu depoimento sobre o assunto. Diz ele: “
Naquele tempo filho de trabalhador não ia pra escola. tinha que
ajudar o pai na lida do roçado. Eu morava na serra, no município de
Aratuba. Ajudei meu pai desde criança, trabalhando com no roçado.
(...) Então ninguém se importava com escola, só os filhos dos
patrões, mesmo assim uns queriam outros não queriam. Quando eu
vinha do roçado com meu pai, passava na casa do nosso patrão e eu
via os filhos dele estudando, lendo. Eu tinha vontade de aprender a
ler. Aí um dia, tinha um passando as férias lá e me perguntou:
Bastião tu quer aprender a ler? Eu disse , quero. Ele disse: Pois
compre uma carta de ABC que eu te ensino. Aí eu comprei a carta de
ABC e ele começou a me ensinar . Mas aí ele voltou de férias e eu
fiquei lendo na cartilha, soletrando as palavras(...). Nas outras
férias ele veio de novo e perguntou: como é que está Bastião? E
eu disse, tou indo, to aprendendo. (…) Nesse tempo as pessoas
gostavam de ler romance, era assim que se chamava os versos de
cordel.(...) Então quando aparecia um romance, uma pessoa que sabia
ler lia pros outros. Aí o pessoal começou a me pedir pra ler.(…)
Foi indo foi indo e foi nesse negócio de ler verso que eu aprendi a
ler o pouco que sei, ...
O
escritor Gilmar de Carvalho, em Mestres da Cultura Tradicional
Popular do Ceará, ao abordar sobre o mestre Sebastião Chicute,
também relata como se deu o processo do mestre em estudo, da
seguinte forma:”
Sebastiao nunca aceitou um destino previamente traçado por um Deus
pouco generoso. “Comprou uma carta de ABC” e o filho do patrão,
chamado Edílson começou a lhe dar as lições nos fins de semana,
nas férias.”(Carvalho 2006: 198,199).
Percebe-se
que a leitura de livretos de cordel contribuiu para o mestre aprender
a ler, mesmo sem frequentar a escola. O exemplo de alfabetização do
Mestre Sebastião Chicute, pode ser levado a muitos jovens e adultos
que não tiveram oportunidade de alfabetizar-se na infância ou na
juventude.
1.3
O Cordel na Vida de Sebastião Chicute.
Há
no mestre a dimensão poética que se manifesta tento nos glosas
emitidas na folia de reis, quando dança ao lado do boi, quanto na
literatura de cordel. Em entrevista a Gilmar de Carvalho, declarou:
“Lá vou eu escrever um verso, passo uma noite, passo duas noites,
depende do tempo e do dom”. Portanto o Mestre Sebastião Chicute é
um poeta popular. Ele mesmo tem afirmado em diversas ocasiões, em
diversas circunstâncias, falando de si mesmo: “ um poeta faz
assim” ou ao fazer ou recitar uma glosa, repetir: “é o poeta, é
a poesia”, referindo-se á forma de ver as coisas com o olhar de
poeta. E o que vem a ser esta figura romântica chamado poeta.
Buscou-se o conceito de um grande poeta popular cearense, Alberto
Porfírio. Para ele ” poeta é aquele que tudo ama e justifica das
coisas a razão de ser considerando tudo natural, divino e
necessário. E complementa: ” É
ainda o poeta que, desprovido de ambição, despreza a fortuna, e ama
o simples, fazendo questão de ser um deles, merecendo, por isso, um
protetor, um mecenas que lhe compreenda o valor e o ampare na
vida.”(Porfírio, 1978, p31)
Além
de cordelista Mestre Sebastião é também mestre de reisado, as duas
atividades culturais desenvolvidas, lhe proporcionaram, em 2006, o
título de Mestre da Cultura Tradicional Popular do Estado do Ceará.
1.4
Sebastião Chicute: Mestre da Cultura Tradicional Popular do Estado
do Ceará
A
lei estadual nº13.351 de 22 de agosto de 2003, instituiu o registro
dos mestres da
cultura
tradicional popular no âmbito de estado do Ceará. A data de sua
publicação, foi cuidadosamente pensada, no dia do folclore. Por
outro lado deve-se ressaltar que a referida lei é uma das
decorrências do decreto federal 3.551 de 04 de agosto de 2000,
promulgado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso sendo ministro
da Cultura, Francisco Welffort. Este decreto oficializou a inclusão
do Patrimônio Imaterial na relação do Patrimônio Cultural
Brasileiro. O resultado imediato do decreto foi o desencadeamento de
uma série de ações de valorização do Patrimônio Imaterial no
Brasil, sobretudo no primeiro Governo do Presidente Lula, quando
esteve à frente da pasta da Cultura, o cantor Gilberto Gil. (Abreu,
2007, p353) O referido decreto também interagia com a educação
patrimonial na medida em que muito de suas metas estavam em sintonia
com outra legislação no âmbito do Ministério da Educação que
eram os PCS – Parâmetro Curriculares Nacionais, que inclui no
currículo escolar, no capítulo dos temas transversais, a
pluralidade cultural e a valorização do conhecimento do patrimônio
étnico brasileiro, na forma da constituição de 1988 (Abreu, 2007,
p363)
Por
outro lado, o Estado do Ceará, ao aprovar esta lei, concretizava,
em parte uma política de valorização e reconhecimento do
patrimônio imaterial intangível reiterado pela 32ª Conferência
Geral da UNESCO em 2003. Segundo Nogueira, 2008, “essa reorientação
nos critérios de preservação da UNESCO, levou a França a
instituir o sistema “tesouros humanos vivos, exemplo que o Ceará
vem seguindo parcialmente”
Para
o governador do Estado à época, Lúcio Alcântara, os mestres da
cultura são homens e mulheres que perpetuam artes ancestrais,
renovam a memória coletiva com criações contemporâneas e usam
variadas linguagens para compor o mosaico da identidade cultural.
(Carvalho, 2006: 9). Oswald Barroso em Encontro dos Mestres do Mundo,
uma publicação da SECULT, classifica Mestre como sendo “um
portador ativo de uma tradição”. Aquele que “guarda em seu
corpo a memória de um saber coletivo”. Estes saberes de que é
portador são “renovados constantemente por outros Mestres e por
ele mesmo como ele.” Por tudo isso, o Mestre se inclui dentro do
conceito daquilo que ficou estabelecido pela UNESCO como Patrimônio
Imaterial. Oswald Barroso em seu ensaio, afirma: “Por
isso não apenas seu saber deve ser tratado como patrimônio
imaterial de uma cultura, mas também o próprio mestre, a
integridade de sua pessoa, deve ser vista como tesouro cultural,
patrimônio vivo de seu povo”, conclui Barroso. (SECULT, Encontro
dos Mestres, 2008: 51).
2.
A Poesia de Cordel do Mestre Sebastião Chicute
A
Literatura de Cordel, enquanto manifestação de caráter popular e
imaterial, constitui-se como patrimônio imaterial. O cordelista
quando publica seus trabalhos está contribuindo com a difusão de
uma literatura de cunho oral, embora escrita, resultado de um
manancial que se estende há décadas e séculos, no nordeste
brasileiro, como mostram os autores antes e agora citados, como é o
caso de Ariano Suassuna, que afirma: “...a
meu ver, a grande importância da literatura popular, para o Brasil,
está no fato de que ela constitui uma espécie de “tradição
viva”( ...) Tal importância está, aliás, a meu ver, em toda a
nossa riquíssima Literatura popular,(...) (Suassuna 2007 p.
251,252.)
De
outra parte, analisando o mérito da obra do mestre Sebastião
Chicute, percebe-se que ele vai além, trazendo temas que contemplam
a educação informal e até mesmo a educação escolar, como os
relacionados à história regional, à religiosidade, à preservação
da natureza, os chamados “causos”, à política, dentre outros.
2.1
Literatura de Cordel: Origem e Temáticas
Sobre
Literatura de Cordel, Câmara Cascudo, em seu dicionário de Folclore
Brasileiro classifica Literatura de Cordel como sendo uma
“denominação
dada em Portugal e difundida no Brasil, referente aos folhetos
impressos, compostos em todo o Nordeste e divulgado pelo Brasil.
(...) Literatura popular impressa que se reconhece também na França
pela denominação de liiterature de colportages, literatura
ambulante. A literatura de cordel desses países emigrou para o
Brasil ingressando no patrimônio de cultura oral. (Cascudo,
2001p.332)
A
literatura de cordel teve sua origem na prática da oralidade. No
Nordeste Brasileiro registram-se as cantorias oitocentistas, eram
poemas guardados na memória de antigos poetas, registrados por
folcloristas ou reconstituição de folhetos relatando grandes
pelejas. Tem-se como pioneiro da cantoria, o poeta Agostinho Nunes da
Costa (1897 a 1858). Por outro lado os primeiros folhetos impressos
no Brasil datam do séc. XIX, sendo considerado os pioneiros do
cordel impresso Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas
Batista, na serra do Teixeira, na Paraíba. (Abreu, 1999 p. 74)
2.2
Discutindo alguns folhetos de cordel do Mestre Sebastião Chicute
A
literatura de cordel, componente da grande área da literatura oral,
está presente na arte do mestre Sebastião Chicute. Ele afirma em
seus diversos depoimentos que os
primeiros
contatos com o cordel, foi ainda na juventude, é o próprio Mestre
que afirma:
“Naquele
tempo, pouca gente sabia ler. E eu como sempre fui conversador, as
pessoas pediam – ler aí Bastião, um romance pra nós ouvir, então
a gente lia romances, como era chamado o cordel antigamente. Foi aí
que aprendi a escrever cordel, embora só na década de 60 tenha
escrito o primeiro verso.
Ao
se analisar a produção poética de Sebastião Chicute percebe-se
algumas linhas temáticas. Grande parte de sua obra está dedicada á
temática da religiosidade Católica, depois vem a temática da
política, também a questão da violência, as questões inerentes
ao amor, os animais e a história.
Como
católico praticante, em dado momento de sua vida ativo participante
das atividades da Igreja, como membro do movimento Encontro dos
Casais Com Cristo, Sebastião muitas vezes, na ausência do padre,
era chamado para “encomendar corpos”. Por sua formação
religiosa e intensa participação na igreja, escolheu esta linha,
como componente de sua produção literária. A respeito desta
temática, Kunz, afirma:“Dentro
d a literatura de cordel, a temática religiosa constitui um ciclo
importante. De fato, poucos folhetos deixam entrever algum sinal de
anti-clerismo. Inúmeros abordam unicamente assuntos religiosos: vida
de santos, relatório de milagres, (…) Em quase todos há traços
evidentes da moral católica, a maior parte contém uma exortação
ao bem, revelando quase sempre, temor a Deus e respeito à Igreja.”
(Kunz, 2001p.10)
Na
verdade a religião, especialmente o catolicismo tem sido fonte de
inspiração para o poeta popular, ao longo dos anos, um exemplo
disso é o grande número de folhetos sobre o Pe. Cícero, frei
Damião etc. Por outro lado as festas de padroeiros que acontecem nos
diversos rincões do pais tem sido espaços utilizados por cantadores
para fazerem suas apresentações e os autores de literatura de
cordel tem realizado suas melhores vendas como afirma Alberto
Porfírio ( Porfírio 1978: 25). Entretanto a partir dos anos 80 a
Literatura de Cordel ganha os espaços urbanos e consequentemente
ganha o público universitário, expandindo assim o seu espaço. Para
este artigo foram escolhidos alguns de seus principais cordéis,
notadamente os que versam sobre temas religiosos, ecológicos e
históricos, sobre os quais teceram-se considerações analíticas.
2.3
Cordéis de Cunho Religioso
Sebastião
Chicute, com a maioria dos poetas populares, em sua obra dedicada á
religiosidade, também escreveu sobre o Pe. Cícero Romão Batista.
Para Kunz, “ A grande maioria desses folhetos religiosos, versa
sobre Padre Cícero, chegando a constituir um ciclo na literatura de
cordel ” O fenômeno da exaltação de padre Cícero na Literatura
de cordel segunda a autora, dentre outros, ocorre,
“... como se fosse uma revanche poética sobre o silêncio que
cercou os movimentos religiosos surgidos entre meados do século XIX
e cujo traço comum foi o choque aberto entre a religiosidade popular
e a doutrina oficial da Igreja dominante” (Kunz, 2001 p. 14).
Como
se percebe, mesmo distante do núcleo de ação que propagou a figura
de Pe. Cícero, a região do Cariri, o mestre Sebastião Chicute
participa deste ciclo, escrevendo no início do Séc. XXI, mais um
cordel sobre o Padre Cícero.
2.3.1
Cordel: A História de Pe. Cícero de Juazeiro do Norte
O
cordel do Mestre Sebastião Chicute sobre a, História do Padre
Cícero de Juazeiro do Norte, começa assim:
Hoje
Resolvi contar
Através
da poesia
A
vida de padre Cícero
A
hora o mês e o dia
Data
que ele nasceu
Tudo
de bom que fazia
Foi
guia espiritual
Cuidava
bem do seu povo
Curava
deficientes
Trabalho
que teve aprovo
Quisera
nós que voltasse
Pra
tê-lo com nós de novo
Portanto,
o Mestre Sebastião Chicute participa, com seu trabalho, do chamado
ciclo da literatura de cordel sobre Pe. Cícero, considerando-se que
o mesmo é atemporal.
2.3.2
Cordel: Círio de Nazaré
O
cordel Círio de Nazaré é uma espécie de louvação à Maria e ao
mesmo tempo uma divulgação e convite para a festa do Círio de
Capistrano. Começa, como é de costume entre os cordelistas, pedindo
a Deus inspiração a deus para escrever o verso. No caso específico
o autor começa assim:
Por
se tratar de Maria, a tradição Católica é que sendo Maria mãe de
Jesus, é também Mãe de Deus, como determinou o dogma do Concílio
de Éfeso de 431, publicado pelo Concílio de Calcedônia de 451
(Fasanella, 2002: 18) e por conseguinte mãe de todos. Enveredando
por esta linha da maternidade universal de Maria, realizar em outras
estrofes várias louvações, à Mãe de Jesus. Dentro deste
contexto de devoção ele, conceitua Maria e descreve o primeiro dia
da festa que se inicia com o hasteamento da bandeira. Eis as
sextilhas:
Maria
é mãe dos aflitos
Dos
justos e dos pecadores
Das
crianças e dos adultos
De
alunos e professores
Dos
menos favorecidos
Dos
fracos trabalhadores
Hoje
nossa Capistrano
Nesta
data costumeira
Em
vinte e nove de agosto
Se
ergue o pau da Bandeira
Para
se comemorar
A
festa da Padroeira
Encerrando
o cordel, o poeta faz o convite às pessoas dos municípios vizinhos
e próximos como Itapiúna, Aratuba, Canindé, Aracoiaba, Quixadá e
Baturité, para a festa do Círio de Nazaré, como se ver a seguir:
Você
de Itapiúna
Aratuba
e Canindé
Você
de Aracoiaba
Quixadá
e Baturité
Venha
assistir nossa festa
O
Círio de Nazaré.
Com
estes dois cordéis finaliza-se o que se denominou de cordéis de
cunho religioso, sabendo-se que há dezenas de outros cordéis nesta
área, mas o espaço não comporta.
2.4
Cordéis de Cunho Escolar
Outra
vertente da produção cordelista de Sebastião Chicute é a da área
escolar. Nesta área o mestre atua fazendo palestras nas escolas,
dando entrevistas para trabalhos escolares e acadêmicos e escrevendo
versos sobre encomendas. Selecionamos dois cordéis nesta temática.
Conversando com Surdo Mudo (sem data), Conselhos Escolares (2007)
2.4.1
Cordel: Conversando Com Surdo e Mudo
Conversando
com surdo e mudo, é um cordel que discute, à sua maneira, a
inclusão social. A partir da lei 93940/96, as pessoas com
deficiência, em geral, passaram a ter a garantia da inclusão na
escola. Uma luta de anos, com várias vitórias ao longo do tempo. No
que pese ser um direito, a concretização deste direito é uma outra
luta que estas pessoas e suas famílias tem pela frente. Mas o poeta
chama atenção para a necessidade de se comunicar com estas pessoas,
com gestos. Diz ele:
Ninguém
discrimina o surdo
Por
não ouvir nem falar
Todos
merecem respeito
Precisa
a gente ajudar
O
que a natureza fez
Nós
temos que aceitar
E
conclui o cordel com uma estrofe de sete versos, diferente das
anteriores, de seis versos, direcionada a alunos e professores:
De
tudo que prescrevi
Achei
caso diferente
Quem
tem tudo vive bem
E
Quem não tem é carente
Alunos
e professores
Fique
sabendo senhores
Que
surdo também é gente
Pode-se,
portanto incluir este verso no elenco das ideias em prol da inclusão
social, no caso de pessoas com deficiência auditiva, um desafio para
a educação.
2.4.2
Cordel: Conselhos Escolares
A
pedido da secretaria de educação do município, o Mestre Sebastião
Chicute escreveu um cordel a partir das orientações do setor para
organização destes conselhos. O objetivo do cordel era
sensibilizar, pais, alunos e comunidade, para a importância dos
conselhos e um texto em Literatura de Cordel é sempre bem aceito e
de fácil compreensão.
A
partir dos documentos e textos dados ao poeta ele elaborou o presente
cordel que se inicia com a descrição sobre o programa e em dado
momento relata a função de controle exercida pelo conselho o poeta
escreveu:
O
programa nacional
Tem
maior realidade
Tem
o fortalecimento
Pra
nossa sociedade
Na
cultura brasileira
A
bem da comunidade
Apoio
e controle público
Tenha
mais atuação
Com
estes órgãos de apoio
Tenha
maior decisão
Pra
um significado
No
Brasil e na criação
E
para os professores de nossas escolas públicas o poeta é incisivo
em sua defesa, já que são parte do processo. Também destaca a
necessidade de formação e das escolas estarem bem preparadas para
os desafios da educação. Tudo numa única estrofe:
Precisa
salários dignos
Formação
continuada
Devem
ser fortalecidas
Muito
bem encaminhadas
Organismos
sociais
Escolas
bem preparadas
2.5
Cordéis com enfoque ecológico ambiental
Há
um conjunto de cordéis que tratam de temas ligados á ecologia, de
uma forma geral, destes trabalhou-se com dois nesta pesquisa, são
eles: o aquecimento Global e o Cordel dos Passarinhos.
2.5.1
Cordel: O Aquecimento Global
O
aquecimento global é um tema abordado nas escolas, tanto na
disciplina de Geografia. Como nas outras disciplinas de forma
transversal. É Está na agenda do dia, por ser um problema que afeta
a todos. A literatura de cordel não poderia se furtar de abordar
este tema. Poeticamente ele adverte sobre o que pode ocorrer:
Trata-se
de catástrofe
Conforme
o aquecimento
Tendo
outras consequências
Por
sede, fome e tormento
Tem
muito choro e miséria
Com
furacão violento
Até
os mares estão
Bem
lentamente subindo
Os
resultados são estes
Que
o mundo está sentindo
Calor
que a terra treme
E
chuva diminuindo
O
trabalho é o resultado de uma pesquisa feita pelo autor, ao que
parece uma reportagem sobre a temática. Este é mais um tema
transversal e está na ordem do dia nas escolas do ensino fundamental
e médio. O cordel tem o privilégio de leva-lo para além da sala de
aula, para as residências ou qualquer outro local.
2.5.2
Cordel dos Passarinhos
O
que se percebe é que Sebastião Chicute, como os demais cordelistas
tem a sua participação em várias áreas temáticas da Literatura
de Cordel. O cordel em estudo, foi uma encomenda feita pelo
pesquisador da área de literatura oral da Universidade Federal de
Campina Grande, Prof. Dr. Hélder Pinheiro. É uma obra prima de
Sebastião Chicute na área da fauna nordestina, é mais uma
contribuição do mestre Sebastião Chicute para a Educação
Patrimonial. Para ilustrar o que se está afirmando registrou-se
algumas estrofes sendo a primeira é sobre o pássaro canção
(Ibycter
americanus)
Admirei
o canção
Entre
cipó e graveto
Estando
junto eles cantam
Imitam
qualquer soneto
Tem
olhos avermelhados
Papo
branco e bico preto.
Quem
conhece o pássaro canção o reconhece nesta estrofe, pois além de
ser um pássaro que se refugia entre os cipós da caatinga, também
faz um grande coro quando está em voando só ou em pares. Por outro
lado, o cancão do nordeste brasileiro é preto e branco, como
descreve o poeta.
Outro
pássaro muito conhecido em todo Brasil, o João-de-barro (Furnarius
rufus), é contemplado no cordel com a seguinte estrofe:
Admiro
o João de Barro
Por
ser muito inteligente
É
um bom mestre de obra
Seu
trabalho é competente
Começa
a casa e termina
Sem
precisar de servente
Na
estrofe, além de ressaltar a “inteligência” do pássaro, o
autor o compara diretamente com um construtor, um mestre de obra que
dispensa o servente, faz sozinho sua casa.
Um
pássaro que pouco se ouve falar, o mestre regata sua evidência e o
traz para o público jovem, sobretudo o público urbano, que pouco
conhece de nossa fauna. Trata-se do pássaro Fura Barreira
(hylocryptus
rectirostris) também conhecido como
do
Bico de Latão. Diz ele:
O
velho Fura Barreira
Faz
o seu ninho no chão
Lhes
chamam de outro nome
Nos
costumes do sertão
Aoa
invés de Fura Barreira
Chamam
bico de Latão
Percebe-se
que o autor conhece bem os pássaros de que fala, resgatando assim um
conhecimento que poucas pessoas tem hoje em dia, quer seja pelo fato
da urbanização, quer pelo processo de extinção em que em que se
encontram os passaros. E finaliza o seu cordel de 30 estrofes com uma
sestilha e uma sétima nas quais recomenda não maltratar os
passarinhos e de sua aprendizagem com estes seres vivos. Vejam:
Não
maltrate os passarinhos
Tenham
deles compaixão
São
eles donos da selva
Tenha
ele como irmão
São
criaturas de Deus
Com
direito ao mesmo Chão
Falei
em diversos pássaros
Em
todos os cordéis há um ensinamento, uma lição, um aprendizado, um
saber popular. É desta forma que os mestres da cultura, e no caso
específico o mestre Sebastião Chicute, contribui com o aprendizado,
a cultura, a tradição, popular.
2.6.
Cordéis de Cunho Histórico
Em
debate que participou junto à turma da disciplina Ação Educativa
Patrimonial, do Curso de Historia da Universidade Estadual do Ceará,
em 15 de julho de 2010, Chicute afirmou que contar história era o
que mais lhe fascinava. Talvez por gostar de abordar temas em que
prevaleçam histórias, de uma maneira geral, é que Chicute
conseguiu escrever, um importante trabalho de cunho histórico.
Trata-se do romance: Os primeiros Escravos no Ceará.
2.6.1
Cordel: Os Primeiros Escravos no Ceará
O
cordel Os primeiros Escravos no Ceará trata-se de um “romance”,
que na linguagem dos cordelistas, é um verso com mais de 48 páginas.
Este Cordel tem 90 páginas, cada uma com três estrofes, totalizando
270 estrofeso que denota uma grande pesquisa. O cordel foi uma
demanda da Secretaria de Educação de Capistrano em 2008 para ser
distribuído para todas as escolas municipais.
A
maior parte do cordel, porém fala do movimento abolicionista, talvez
por que a fonte que o autor utilizou em suas pesquisas tenha sido um
texto sobre os abolicionistas. Relata o nome de quase todos eles,
como nas estrofes 49 e 55 em fala da fundação do centro
Abolicionista e de outros personagens do movimento abolicionista:
Sendo
Barão de Studart
Junto
a Meton de Alencar
Teodorico
da Costa
Comendador
exemplar
Centro
Abolicionista
Decidiu
participar.
Por
conta dos coletores
Joaquim
Agostinho Fraga
E
Antonio da Silva Matos
Que
quis preencher a vaga
Jurumanha
e Gil Ferreira
Que
a história consagra.
No
movimento abolicionista o Ceará foi a primeira província do império
do Brasil a ter seus escravos livres. Por esta proeza o Ceará
recebeu de José do Patrocínio, expoente do movimento nacional
abolicionista, em 1884 título: “Ceará Terra da Luz”, conforme
dizem os historiadores locais e nacionais. A libertação dos
escravos do Ceará, 15;03;1884, é descrita em seis estrofes pelo
mestre poeta das quais destacamos:
A
vinte e cinco de março
O
tempo mudou o clima
Houve
festas oito horas
Saudação
de alta estima
As
graças de Deus descendo
Com
o poder que vem de cima
O
poder Legislativo
Deu
início uma cessão
Estava
ali o presidente
E
a sua comissão
Todo
mundo dava viva
Parabéns
abolição
Encerra
o seu cordel dando destaque á libertação dos escravos no Brasil,
fato que ocorre no dia 13 de maio de 1889.
2.6.2
Cordel: Dados Históricos do Município de Capistrano
Este
cordel é bem completo, traz muitas informações sobre o município
de Capistrano, algumas leis são descritas com grande maestria, como
a lei que criou o município, a lei da intervenção, traz muitas
datas importantes para a história do município, só não tem uma
sequência histórica.
A
primeira estrofe trata do nome original de Capistrano, Riachão da
Lagoa Nova e na estrofe seguinte ele fala do fundador do município,
segundo a tradição histórica:
O
povo está me pedindo
Uma
verdadeira prova
Com
os dados do passado
Eu
digo e ninguém reprova
Dizer
por que foi cahamado
Riachão
da Lagoa Nova
Nas
terras herdadas do pai
O
saudoso capitão
Timóteo
Ferreira Lima
Que
começou Riachão
Uma
área produtiva
De
uma grande dimensão
Continuando
sua descrição histórico poética o mestre Sebastião Chicute fala
do primeiro cartório, da lei que transformou o distrito em município
em 1951, da primeira eleição, da eleição de cada prefeito, etc.
Considerações
finais
O
Mestre Sebastião Chicute, portanto, como um mestres da Cultura
tradicional popular de seu estado, contribui, com a sua prática, com
o seu ofício de cordelista e de Mestre de reisado, com a manutenção,
a divulgação, a revitalização destas duas atividades culturais e
por conseguinte com a educação patrimonial imaterial, no seu
município e no raio de abrangência de sua atividade artística e
cultural. Sua contribuição, por vezes é diretamente junto aos
estudantes, quando estes o procuram para dar depoimentos sobre a
cultura, sobre suas atividades e experiência, ou ainda quando
participa de palestras, debates, discussões em salas de aula ou em
outras atividades escolares. No entanto a sua contribuição Juno ao
processo de educação patrimonial, de caráter imaterial, se dar de
maneira mais atuante, fora dos muros da escola, desde quando
participou das primeiras apresentações nos grupos de reisados de
sua comunidade na década de 1950, como relata em seus depoimentos,
ou seja ao longo de sua vida de brincante de reisado e de poeta
popular inicialmente cantando coco e ultimamente como poeta de
bancada, como se verá no capítulo específico sobre a sua produção
na Literatura de Cordel.
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Fonte
de História Oral – entrevistado:
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Alves Lourenço – Sebastião Chicute – Mestre da Cultura
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