Resumo
No presente artigo vamos discorrer sobre a apresentação que José Honório
Rodrigues faz de Capistrano de Abreu na introdução escrita em 1982 para a
reedição de Capítulos de História Colonial. Também vamos discutir sobre a
importância de se familiarizar com as obras do mesmo e quais as contribuições
de Capistrano para a historiografia brasileira.
Palavras-chave: Capistrano, história cultural, historiografia
Para qualquer estudante de
História não conhecer as obras de Capistrano de Abreu se configuraria em algo
imperdoável, principalmente depois que se lê a introdução que José Honório
Rodrigues escreveu para a reedição do livro Capítulos de História Colonial, em
1982. Em poucas páginas Honório vai nos apresentar a um homem curioso, culto e
versado nos mais diversos assuntos. Ele não poupa elogios a capacidade do
historiador cearense, que adotou o Rio de Janeiro como casa e foi capaz de
envolver outros grandes nomes de nossa historiografia em sua busca, muitas
vezes pessoal, para compreender a formação do Brasil.
Poderíamos
até pensar que Honório estaria sendo um tanto afetado demais enquanto nos fala
de Capistrano, no entanto, é inegável que este historiador nos deixou um legado
importante, mas que hoje infelizmente, ficou relegado ao segundo plano de forma
bastante injusta. Analisando alguns pontos da apresentação vemos que a afetação
é justa e bastante oportuna. A introdução se ocupa um pouco da vida de
Capistrano, começando com sua estadia na Biblioteca Nacional, passando por sua
impressionante atuação no Colégio Pedro II e nos levando ao desenvolvimento dos
diversos trabalhos e até aos métodos do historiador.
Quando
nos fala da metodologia de trabalho e forma como Capistrano perseguia um
entendimento da construção do Brasil que ele vivia, ficamos sabendo entre
outras coisas que o historiador não acreditava numa história de vencedores. O
autor buscava conhecer a cultura do período que ele estava estudando, o
cotidiano e as pequenas coisas do dia-a-dia, pareciam achados aos olhos dele.
Em
um outro texto, Por quê ler Capistrano de
Abreu?, de Robério Américo Souza, vemos sintetizado um bom motivo para nos
familiarizarmos com a obra desse historiador quando diz: “a leitura dos textos
de Capistrano de Abreu é, acima de tudo, um excitante convite à reflexão de
nossa conduta, tanto como historiadores, como na qualidade de filhos da
legítima cultura mestiça brasileira”.[1] Apenas para nos darmos conta de
que temos que pensar que tipo de historiador queremos ser e como devemos nos
conduzir para isso.
Capistrano
era um erudito e seu conhecimento nas mais diversas áreas enriquecia a história
que ele produzia. Ele era capaz de produzir textos com fluidez e de fácil
compreensão, como em um escrito feito sob encomenda pela Companhia
Metropolitana em 1897, empresa que se comprometera com o governo para trazer
imigrantes para trabalhar no Brasil. O texto bastante sintético chamado Instruções para os Imigrantes traz
informações preciosas sobre a formação histórica do Brasil e o nascimento e
importância do Rio de Janeiro. Também é rico quando trata sobre a geografia da
região, não apenas por nomear rios, mas por esclarecer a capacidade de
navegação e importância dos mesmos. Também a agricultura e a pecuária são
mostradas em rápidas, mas objetivas pinceladas. Em suas poucas laudas tomamos
conhecimento sobre a fauna, a flora, as comidas das mais diversas regiões,
sistema métrico e moeda.
O
curioso desse texto é esclarecer até sobre a melhor forma de derrubar árvores,
o que mostra que Capistrano leu de tudo um pouco para compor este
impressionante retrato didático do Brasil. É nesse momento que nos remetemos ao
texto de Honório quando nos traz as palavras de um dos discípulos de
Capistrano, Dr. José de Mendonça, que afirma que o mestre podia ministrar
qualquer disciplina e que estava sempre disposto a aprender, se houvesse alguém
disposto a lhe ensinar.
A
sede de saber do historiador parece não ter fim, ele produz avidamente por
alguns anos e apenas as tragédias familiares parecem poder abatê-lo, ainda que
temporariamente. Para nós historiadores, o mais importante é perceber que antes
que se falasse em história cultural, em cotidiano, na importância dos costumes,
dos hábitos e outras questões hoje tão preciosas aos historiadores de ponta,
ele já analisava tais questões. Capistrano já lia sobre psicologia, pois ele já
via o quando era imprescindível para a produção de uma história coerente o
fator psicológico, a influência que isso tinha sobre a formação do Brasil e dos
brasileiros. Ele compreendia que não havia como colocar em um mesmo caldeirão
os homens do sul e do norte, que as diferenças geográficas e os diferentes
desafios também participavam da formação psicológica, da maneira de se
comportar e enfrentar os desafios diários.
Capistrano
se preocupou com os índios e os negros, tanto quanto com os brancos. Ele
procurou enxergar essa relação conturbada entre os conquistadores e os
conquistados, as mediações ocorridas para que se chegasse aquele momento que
ele vivia. Não estava atrás da história dos conflitos, embora os considerasse
importantes, ele procurava documentos que lhe falassem sobre coisas mais
simples e menos dramáticas, ele queria outras visões sobre os séculos que
estudava.
Nesta
introdução, Honório nos fala da intranquila curiosidade de Capistrano, ele
procurava preencher lacunas e também era sensível a considerar que o
historiador também é obrigado a especular, a imaginar em cima do fato, pra
poder penetrar nas questões mais obscuras dos acontecimentos, eis ai a
importância do psicológico, da necessidade de buscar conhecimento em outras
áreas. Longe de aceitar qualquer determinismo, Capistrano entendia que os
desafios enfrentados pelos homens para a sua sobrevivência, viria a ter um peso
fundamental na maneira que estes homens enfrentariam outras questões e que elas
poderiam ser bastante diferentes das atitudes tomadas por outros homens em
outros lugares, pois sujeitos a desafios diferentes.
Talvez
Capistrano tenha compreendido isso bem por ser ele mesmo um migrante. Conheceu
a dificuldade da sobrevivência no Ceará, castigado pelas secas e os vários
personagens tão singulares dos sertões. Exigindo do sertanejo uma força
sobre-humana para sobreviver às dificuldades, a desenvolver uma capacidade de
adaptação a seu meio, como também a outros meios quando lhe faltasse
alternativas em sua própria terra.
Capistrano
de Abreu também foi um forte dessa terra, desbravando o sul com sua
perspicácia, inteligência e agudeza de espírito, fazendo-se presente em várias
áreas da cultura em seu período. Trazendo a luz de nossos olhos diversos
escritos que viriam a enriquecer nossa historiografia. Graças a ele muitas
fontes jorraram de dentro da Biblioteca Nacional, e as que lá não encontrou ele
encarregou os bons amigos de conseguir em vários outros países. Escritos estes
que não serviriam apenas para preencher aqueles espaços em branco que ele
encontrava na história, mas para brindar as futuras gerações de historiadores
que viriam depois dele a oportunidade de trilhar seus caminhos, talvez de uma
forma diferente.
Enfim,
José Honório não foi por demais indulgente, ele apenas se absteve de se
preocupar com o que Capistrano não conseguiu fazer, por limitação de tempo ou
por falta de interesse. Cabe a nós compreendermos que ele foi assim como todos
nós somos, um homem de seu tempo, como os olhos voltados para o passado, mas o
espírito pairando em um futuro distante, quando os homens entenderiam a
importância de se conhecer os homens pequenos da história, com suas lidas
diárias que construiriam o Brasil que conhecemos hoje.
Notas:
SOUZA, Robério Américo. Por que
ler Capistrano de Abreu? Trajetos. Revista de História da UFC, vol. 3, n. 5
(nov. 2004). P. 129-135.
ABREU, Capistrano de. Instruções
para os Imigrantes. Trajetos. Revista de História da UFC, vol. 3, n. 5 (nov.
2004).
PESAVENTO,
S. J. História e história cultural. 2004 – 2ª ed. – Belo Horizonte: Autêntica,
2004.
BURKE,
P. O que é história cultural?. 2005. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ED.
*ALUNA DA DISCIPLINA AÇÃO EDUCATIVA PATRIMONIAL - Prof. Dr.FRANCISCO ARTUR PINHEIRO ALVES
[1]
Por que ler Capistrano de Abreu? Trajetos.
Revista de História da UFC, vol. 3, n. 5 (nov. 2004). P. 129-135
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