quarta-feira, 10 de outubro de 2012

“A CRESTOMATIA”

JOSÉ HUMBERTO GOMES DE OLIVEIRA - H.G.O* Semana passada, num bate-papo informal com um amigo, sobre a escola brasileira de outrora - mormente quando ainda vigorava o temido Curso de Admissão ao Ginasio - lembrei-lhe, saudoso, a renomada "Crestomatia" do Prof. Radagasio Taborda, lançada no mercado didata, no inicio dos anos 30, em Porto Alegre, pela Editora Globo. Por ser bastante jovem, meu interlocutor desconhecia - é óbvio - a seleta, vindo à balha, e o que ela, rico manancial de aprazíveis páginas instrutivas, significou para a grande maioria dos nossos estudantes. - Ora, hoje, manuseando velha revista, na qual mantenho, colados, trabalhos de jornalistas, quase todos cearenses, eis se me depara um de Hélio Passos, este filho do Piauí. Cronista habilidoso, que, semanalmente, marcava presença (não sei se ainda o faz), no "Diário do Nordeste", com aquela prosa descontraída, agradável, mesclada, as vezes, com o matiz saudosismo, via de regra - caso não esteja enganado - no tocante à nossa música popular. "Em vez", o titulo sua colaboração. No recorte, providencialmente achado, afirma o cronista, acerca da memorável antologia. - "Ela, a decantada seleta, atravessou gerações, proporcionando tudo ao estudante, deste o gosto da leitura dos bons escritores, o conhecimento gramatical, à sua educação literária". Continua H. Passos": Era o tempo da tabuada, do ditado, da sabatina, do "exame de admissão" - Acrescento eu: da cópia, da leitura em classe, do vocabulário, das provas escritas e orais, do ponto sorteado nos exames finais, das aulas de caligrafia e também de religião nos educandários católicos, por exemplo. Não cheguei ou melhor - não tive o prazer de estudar na "Crestomatia" cujo texto inicial (dizia-se leitura) "O Campônio e o Passaredo" assinava-o Dom Antônio de Almeida Lustosa - exímio homem de letras, polígrafo veraz, já que dominava gêneros diversos na dificílima arte de escrever. Foi o segundo arcebispo de Fortaleza. Sua estada - ou seja- o seu ministério na terra de Alencar - durou 22 anos (1941-1963). Era um santo e um sábio; homem de fé, oração, estudo e trabalho. Pertencia à congregação dos filhos de Dom Bosco (Salesiano). Escritor nato, produziu obras de teor, místico, doutrinário, cientifico e histórico. Lembro apenas três: "A Prece ao Pôr do Sol, "Notas a Lápis" e "Terra Martirizada" (Dizem, costumava escrever, em pé, apoiado na escrivaninha). Mais conhecido por Dom Lustosa, preferia, no entanto, ser chamado Dom Antônio. Dadas suas virtudes cristãs e sacerdotais, o respectivo processo de beatificação tramita no Vaticano. Estudando em uma escola onde se adotava a famosa coletânea no Curso de Admissão ao Ginásio, o meu prezado amigo - Célio Alan Meneses - de saudosa memória, disse-me haver memorizado, todinho, (na época se usava mais a expressão decorado) o já mencionado texto. Ignoro se o fez por dever escolar, ou mero diletantismo. Voto na segunda hipótese. Sonetista aprimorado e missivista-modelo nutria, por nosso idioma, elevado apreço cuja gramática se lhe fazia causa de pesquisas freqüentes. Funcionário Federal concursado, sempre se conduziu pela competência, lisura e simplicidade. Não possuía nível superior, mas atinente às leis trabalhistas da época, era um perito. Igualando-se aos mais veteranos do IPASE (Instituto de Pensão e Aposentadoria dos Servidores do Estado). Repartição onde chegou a exercer função de relevo. Natural de Fortaleza, conheci-o no inicio dos anos 60, por intermédio de outro grande amigo e colega de magistério Prof. Bismarck Nogueira Leão. Nesse tempo, o Alan residia em um dos primeiros quarteirões da Av. do Imperador, depois mudou de endereço, porém na mesma avenida, passando a residir próximo a igreja de São Benedito. Quando em Fortaleza, sempre que possível, freqüentava sua acolhedora residência. Como falei, não me foi dada a graça de estudar na "Crestomatia". Mas cheguei a lê-la, várias vezes, escolhendo os textos que mais me interessavam no momento. Passaram-se os anos. Certa manhã, em um dos poucos sebos da Rua 24 de Maio, no centro da capital, descobri, no alto de uma das prateleiras, a seleta querida. Logo me informei do preço. Com ar de pouco interesse, um dos funcionários me disse o valor. Lancei, de novo, um olhar de viés e, ao mesmo tempo, saudoso na direção do livro, e fui saindo, encabulado, mãos abanando. Na ocasião, o dinheiro, que levava no bolso, destinava-se a coisas mais prosaicas e prioritárias. No final do quarteirão, ainda preso à velha antologia, sinto como que me sussurrar ao ouvido, em feitio de consolo, certo filósofo pagão dos primórdios do cristianismo: "Paciência, meu amigo, escravo inalforriável do neoliberalismo desalmado"! E me faz a sua sábia advertência: "não se pode ter tudo na vida." Era Epícteto, filósofo estóico, cujo ensinamento moral parece com a doutrina cristã. Quanto à origem da palavra crestomatia, ela provém do grego, significando o estudo das coisas úteis e também seleta de bons autores. Coleção de trechos em prosa ou em verso; o mesmo que seleta, analecto, polianteia, antologia e florilégio. Literalmente, antologia significa ''tratado acerca das flores". Daí, suponho, chamar-se também florilégio a coletânea de textos escolhida com esmero. *José Humberto Gomes de Oliveira é professor aposentado, presidente da Academis Capistranense de Letras e Artes – ACLART, presidente de Honra do Partido Verde de Capistrano, conhecido pelo nome de Prof. Betinho.

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