quarta-feira, 29 de maio de 2013

Para quê Capistranear - Por Neilania Silva Rodrigues - aluna do curso de História da UECE*




Resumo


No presente artigo vamos discorrer sobre a apresentação que José Honório Rodrigues faz de Capistrano de Abreu na introdução escrita em 1982 para a reedição de Capítulos de História Colonial. Também vamos discutir sobre a importância de se familiarizar com as obras do mesmo e quais as contribuições de Capistrano para a historiografia brasileira.

Palavras-chave: Capistrano, história cultural, historiografia

            Para qualquer estudante de História não conhecer as obras de Capistrano de Abreu se configuraria em algo imperdoável, principalmente depois que se lê a introdução que José Honório Rodrigues escreveu para a reedição do livro Capítulos de História Colonial, em 1982. Em poucas páginas Honório vai nos apresentar a um homem curioso, culto e versado nos mais diversos assuntos. Ele não poupa elogios a capacidade do historiador cearense, que adotou o Rio de Janeiro como casa e foi capaz de envolver outros grandes nomes de nossa historiografia em sua busca, muitas vezes pessoal, para compreender a formação do Brasil.
            Poderíamos até pensar que Honório estaria sendo um tanto afetado demais enquanto nos fala de Capistrano, no entanto, é inegável que este historiador nos deixou um legado importante, mas que hoje infelizmente, ficou relegado ao segundo plano de forma bastante injusta. Analisando alguns pontos da apresentação vemos que a afetação é justa e bastante oportuna. A introdução se ocupa um pouco da vida de Capistrano, começando com sua estadia na Biblioteca Nacional, passando por sua impressionante atuação no Colégio Pedro II e nos levando ao desenvolvimento dos diversos trabalhos e até aos métodos do historiador.
            Quando nos fala da metodologia de trabalho e forma como Capistrano perseguia um entendimento da construção do Brasil que ele vivia, ficamos sabendo entre outras coisas que o historiador não acreditava numa história de vencedores. O autor buscava conhecer a cultura do período que ele estava estudando, o cotidiano e as pequenas coisas do dia-a-dia, pareciam achados aos olhos dele.
            Em um outro texto, Por quê ler Capistrano de Abreu?, de Robério Américo Souza, vemos sintetizado um bom motivo para nos familiarizarmos com a obra desse historiador quando diz: “a leitura dos textos de Capistrano de Abreu é, acima de tudo, um excitante convite à reflexão de nossa conduta, tanto como historiadores, como na qualidade de filhos da legítima cultura mestiça brasileira”.[1] Apenas para nos darmos conta de que temos que pensar que tipo de historiador queremos ser e como devemos nos conduzir para isso.
            Capistrano era um erudito e seu conhecimento nas mais diversas áreas enriquecia a história que ele produzia. Ele era capaz de produzir textos com fluidez e de fácil compreensão, como em um escrito feito sob encomenda pela Companhia Metropolitana em 1897, empresa que se comprometera com o governo para trazer imigrantes para trabalhar no Brasil. O texto bastante sintético chamado Instruções para os Imigrantes traz informações preciosas sobre a formação histórica do Brasil e o nascimento e importância do Rio de Janeiro. Também é rico quando trata sobre a geografia da região, não apenas por nomear rios, mas por esclarecer a capacidade de navegação e importância dos mesmos. Também a agricultura e a pecuária são mostradas em rápidas, mas objetivas pinceladas. Em suas poucas laudas tomamos conhecimento sobre a fauna, a flora, as comidas das mais diversas regiões, sistema métrico e moeda.
            O curioso desse texto é esclarecer até sobre a melhor forma de derrubar árvores, o que mostra que Capistrano leu de tudo um pouco para compor este impressionante retrato didático do Brasil. É nesse momento que nos remetemos ao texto de Honório quando nos traz as palavras de um dos discípulos de Capistrano, Dr. José de Mendonça, que afirma que o mestre podia ministrar qualquer disciplina e que estava sempre disposto a aprender, se houvesse alguém disposto a lhe ensinar.
            A sede de saber do historiador parece não ter fim, ele produz avidamente por alguns anos e apenas as tragédias familiares parecem poder abatê-lo, ainda que temporariamente. Para nós historiadores, o mais importante é perceber que antes que se falasse em história cultural, em cotidiano, na importância dos costumes, dos hábitos e outras questões hoje tão preciosas aos historiadores de ponta, ele já analisava tais questões. Capistrano já lia sobre psicologia, pois ele já via o quando era imprescindível para a produção de uma história coerente o fator psicológico, a influência que isso tinha sobre a formação do Brasil e dos brasileiros. Ele compreendia que não havia como colocar em um mesmo caldeirão os homens do sul e do norte, que as diferenças geográficas e os diferentes desafios também participavam da formação psicológica, da maneira de se comportar e enfrentar os desafios diários.
            Capistrano se preocupou com os índios e os negros, tanto quanto com os brancos. Ele procurou enxergar essa relação conturbada entre os conquistadores e os conquistados, as mediações ocorridas para que se chegasse aquele momento que ele vivia. Não estava atrás da história dos conflitos, embora os considerasse importantes, ele procurava documentos que lhe falassem sobre coisas mais simples e menos dramáticas, ele queria outras visões sobre os séculos que estudava.
            Nesta introdução, Honório nos fala da intranquila curiosidade de Capistrano, ele procurava preencher lacunas e também era sensível a considerar que o historiador também é obrigado a especular, a imaginar em cima do fato, pra poder penetrar nas questões mais obscuras dos acontecimentos, eis ai a importância do psicológico, da necessidade de buscar conhecimento em outras áreas. Longe de aceitar qualquer determinismo, Capistrano entendia que os desafios enfrentados pelos homens para a sua sobrevivência, viria a ter um peso fundamental na maneira que estes homens enfrentariam outras questões e que elas poderiam ser bastante diferentes das atitudes tomadas por outros homens em outros lugares, pois sujeitos a desafios diferentes.
            Talvez Capistrano tenha compreendido isso bem por ser ele mesmo um migrante. Conheceu a dificuldade da sobrevivência no Ceará, castigado pelas secas e os vários personagens tão singulares dos sertões. Exigindo do sertanejo uma força sobre-humana para sobreviver às dificuldades, a desenvolver uma capacidade de adaptação a seu meio, como também a outros meios quando lhe faltasse alternativas em sua própria terra.
            Capistrano de Abreu também foi um forte dessa terra, desbravando o sul com sua perspicácia, inteligência e agudeza de espírito, fazendo-se presente em várias áreas da cultura em seu período. Trazendo a luz de nossos olhos diversos escritos que viriam a enriquecer nossa historiografia. Graças a ele muitas fontes jorraram de dentro da Biblioteca Nacional, e as que lá não encontrou ele encarregou os bons amigos de conseguir em vários outros países. Escritos estes que não serviriam apenas para preencher aqueles espaços em branco que ele encontrava na história, mas para brindar as futuras gerações de historiadores que viriam depois dele a oportunidade de trilhar seus caminhos, talvez de uma forma diferente.
            Enfim, José Honório não foi por demais indulgente, ele apenas se absteve de se preocupar com o que Capistrano não conseguiu fazer, por limitação de tempo ou por falta de interesse. Cabe a nós compreendermos que ele foi assim como todos nós somos, um homem de seu tempo, como os olhos voltados para o passado, mas o espírito pairando em um futuro distante, quando os homens entenderiam a importância de se conhecer os homens pequenos da história, com suas lidas diárias que construiriam o Brasil que conhecemos hoje.

Notas:
SOUZA, Robério Américo. Por que ler Capistrano de Abreu? Trajetos. Revista de História da UFC, vol. 3, n. 5 (nov. 2004). P. 129-135.
ABREU, Capistrano de. Instruções para os Imigrantes. Trajetos. Revista de História da UFC, vol. 3, n. 5 (nov. 2004).
PESAVENTO, S. J. História e história cultural. 2004 – 2ª ed. – Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
BURKE, P. O que é história cultural?. 2005. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ED.

 *ALUNA DA DISCIPLINA AÇÃO EDUCATIVA PATRIMONIAL - Prof. Dr.FRANCISCO ARTUR PINHEIRO ALVES




[1] Por que ler Capistrano de Abreu? Trajetos. Revista de História da UFC, vol. 3, n. 5 (nov. 2004). P. 129-135

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